Em Totem e Tabu, Freud
analisa e discute a organização das sociedades ditas primitivas com base nas
relações destas com seus totens e, invariavelmente, seus tabus em torno de algo
ou alguém. Freud também considera as influências destes dois modelos passados
até os nossos dias de hoje, no seio da sociedade moderna. Como amparo as suas
ideias a respeito das características de sociedades primitivas e seus totens e
tabus, Freud compara os comportamentos dos indivíduos dessas sociedades aos
comportamentos dos neuróticos, vendo tal semelhança nos pensamentos obsessivos
de seus pacientes neuróticos e no imaginário dos membros das comunidades
primitivas estudadas.
Convém, entretanto,
esclarecer o que vem a ser um totem. Segundo Freud (1923), via de regra um
totem pode ser um animal, inofensivo ou não. Mais raramente também pode ser um
vegetal ou fenômeno natural, como a chuva, por exemplo. Esses totens mantém uma
relação toda especial com o clã que o venera. Nas palavras de Freud o “totem é
o antepassado comum do clã; ao mesmo tempo é o seu espírito guardião e auxiliar
que lhe envia oráculos, e embora perigoso para os outros, reconhece e poupa
seus próprios filhos”. Obviamente é de se esperar que as sociedades que
preservam alguma relação totêmica tenham alguns tipos de obrigações para com
seu totem. Uma dessas relações chama a atenção de Freud de maneira especial: as
relações sexuais. Segundo Freud em quase todos os lugares em que existem totens
também existe uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem
e, consequentemente, contra o casamento entre essas pessoas. Tal prática seria
uma exogamia; uma instituição relacionada ao totemismo. Com isto, temos a
proibição do casamento entre pessoas da mesma família, ou do mesmo totem ou
clã. Para exemplificar o teor dessas proibições, as transgressões a lei
totêmica podem ser punidas com a morte, em algumas tribos analisadas.
Avançando na obra em
questão, o pai da psicanálise investiga o significado de tabu e suas
implicações para as sociedades e indivíduos que nele acreditam. O tabu
relaciona-se tanto com o sagrado quanto com o profano, o proibido, trazendo a
si mesmo o sentido de “algo inabordável”, como diz Freud, “sendo principalmente
expresso em proibições e restrições”. Os tabus, entre os povos primitivos,
diziam respeito a pessoas importantes num clã ou tribo, as pessoas fracas e
indefesas e a objetos determinados, bem como certos lugares tidos como sagrados
ou não. A transgressão de algum desses tabus ocasionava punições dos mais
variados tipos ao transgressor; sendo que em certas ocasiões acreditava-se que
o próprio tabu se encarregava de castigar àquele que infringiu a lei do tabu.
Outra prática interessante ligada ao desrespeito a algo considerado tabu são os
rituais para anular a “má sorte”. Quando um tabu era transgredido o indivíduo
infrator se servia de certos rituais, comportamentos aparentemente
inexplicáveis, a fim de se purificar. E este é um dado muito importante para a
psicanálise, se levarmos em consideração a gama de comportamentos extravagantes
praticada por neuróticos para amenizar alguma consequência advinda da quebra de
tabus. Como podemos observar, ainda hoje muitos de nós recorrem a rituais que
mantêm ligação íntima com práticas consideradas tabus, quaisquer que sejam
elas.
Acerca do que há pouco
foi dito, Freud afirmava que “as proibições morais e as convenções pelas quais
nos regemos podem ter uma relação fundamental com esses tabus primitivos”. Já
quanto a relação entre o tabu e as proibições obsessivas dos neuróticos Freud
diz:
“[...] essas proibições são igualmente
destituídas de motivo, sendo do mesmo modo misteriosas em sua origem. Tendo
surgido em certo momento não especificado, são forçosamente mantidas por um
medo irresistível. Não se faz necessária nenhuma ameaça externa de punição,
pois há uma certeza interna, uma convicção moral, de que qualquer violação
conduzirá a desgraça insuportável”. (Freud, 1913, p. 24)
Como se vê, o totem e o
tabu em uma sociedade - ou qualquer grupamento humano -, exerce grande
influência e até mesmo pressão para aqueles que os praticam ou os violam.
Devemos nos recordar do mito explicativo do pai primevo, elaborado por Freud. O
pai, o chefe, de uma horda primitiva reinava soberanamente e desfrutava de
muitos privilégios; tal posição era causa de inveja, mas também de temor e
respeito por parte de seus subjugados. Atentar contra a vida do pai primevo era
cair em grande desgraça. No entanto, cansados das opressões e desmandos de seu
primeiro genitor, os filhos da horda se rebelam e tiram a vida de seu pai.
Apesar de certo alívio por matarem o chefe da horda e se verem livres das
opressões sentidas, em seguida ao êxtase sobrevém a dor pela culpa do
assassinato. Apesar da hostilidade do pai primevo este também era fornecedor de
proteção e cuidados dispensados a seus filhos. Matá-lo, portanto, era violar um
tabu e cometer um ato proibido; era atentar contra um ser sagrado e a punição
chegaria aos descendentes da horda em forma de culpa e remorso. Nisso
observamos, tal como acreditava Freud, que o totem e o tabu e as práticas que
os cercam são extremamente antigas e ressoam até nossos dias, quando ganham
outras formas nas instituições e comportamentos humanos.
Freud ainda discute a
formação da sociedade através do mito criado por ele mesmo, a respeito do pai
primevo. Segundo Freud, o assassinato do
pai primevo por seus filhos geraria na sociedade recém-criada o sentimento de
culpa que assombraria as relações humanas. Como dito no texto, o homem pagará
por esse crime original, pagará sua dívida ancestral com a neurose, através da
permanência desses estados instintivos originais atualizados no presente. O
relato mítico introduz na psicanálise uma lógica na qual o objeto é imaginário,
mas, a partir dessa fantasia primordial, produz uma dívida simbólica em relação
ao pai, que tem agora força de lei.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. Totem e tabu. Rio de janeiro: Imago, 1974 (Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas completas e Sigmund Freud, v. XIII)
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